Executivas cresceram juntas com a área da sustentabilidade que, duas décadas atrás, não era prioridade no ambiente corporativo
Mulheres que enxergaram na sustentabilidade, tema que há vinte anos não estava ainda no centro das discussões corporativas, uma oportunidade para construir a carreira, enfrentaram percalços mas cresceram junto com o tema. Agora podem afirmar que ajudaram, e seguem ajudando, a abrir novos caminhos rumo à descarbonização da indústria automotiva. Para contar sobre este processo em construção e seus desafios a reportagem da Agência AutoData conversou com três delas para deixá-las registradas em letra de imprensa neste Dia Internacional da Mulher: Cristiane Mota, diretora de sustentabilidade, meio ambiente, saúde e segurança na América Latina da Eaton, Graziela Pontes, gerente de responsabilidade social da Renault, e Mônica Saraiva Panik, especialista em hidrogênio e célula a combustível e consultora, mentora da mobilidade a hidrogênio da SAE Brasil, coordenadora do sub-grupo G8 H2 da indústria do MiBi, Made in Brazil Integrado.
“Era preciso ser incansável para que fôssemos escutadas. E, na realidade, a sustentabilidade começou a ser levada mais a sério quando passou a faltar água e a haver calor excessivo, que afetavam a produção”, afirmou Cristiane Mota, 52 anos, sendo 25 deles de experiência na área e onze na Eaton.
Engenheira sanitarista, ambiental e de segurança do trabalho Mota acredita que o estabelecimento da Política Nacional de Resíduos Sólidos, em 2010, foi divisor de águas que despertou na indústria maior preocupação, começando pela conscientização quanto ao descarte incorreto, por exemplo, de tintas e baterias. Com o surgimento dos riscos financeiro e legal que começaram a bater à porta das empresas nasceu também a possibilidade de sensibilizar a alta direção quanto à necessidade de estabelecer este novo ramo.
“Sustentabilidade é a redução de custos, trabalhar mais com menos, ter eficiência energética e ser mais competitivo. É também ter respeito com o entorno. Medir as emissões para dormirmos melhor. É preciso lembrar que a comunidade pode abrigar um parente ou amigo nosso. Mas até convencer que a nossa área não significa despesa, que é investimento e que trabalha com prevenção, tivemos longa caminhada.”
Em 2018 a Eaton passou a incluir o tema na pauta e a estruturar o setor. Em 2021 Mota encabeçou a iniciativa para criar o Conselho de Sustentabilidade composto por equipe multidisciplinar que se reúne mensalmente e que começou a servir de exemplo para outras filiais ao redor do mundo. Dois anos atrás foi adotado em Valinhos, SP, projeto para a troca de elementos refratários do forno que melhorou a retenção interna e a eficiência térmica e, posteriormente, foi replicado às outras unidades brasileiras.
O uso de 100% da eletricidade têm origem renovável e a meta de lançamentos de poluentes até 2030 já foi excedida. Até lá era pretendida redução das emissões de gases de efeito estufa pela metade em relação a 2018 e, hoje, este porcentual é de 60%. O desafio perseguido atualmente por Mota está em descarbonizar os processos produtivos que levam gás natural: “O respeito ao meio ambiente é o legado que quero deixar à minha profissão e aos meus sucessores. A nova geração tem esta responsabilidade”.
Há treze anos na Renault a gerente de responsabilidade social Graziela Pontes, 39, iniciou sua trajetória no Instituto Renault e, conforme ampliava suas especializações, galgava posições – sempre de olho nas possibilidades que apareciam nas entrelinhas.
Em 2021, quando a empresa anunciou suas metas de sustentabilidade para o Complexo Industrial Ayrton Senna, em São José dos Pinhais, PR, ela, como coordenadora de responsabilidade social, vislumbrou oportunidade ímpar: como já era a responsável pelos relatórios desde que havia ingressado na empresa tomou coragem e sugeriu a pauta ao conselho. Foi aprovado que o assunto seria desvinculado do Instituto e criado o Comitê de Sustentabilidade. Pontes passou a chefiá-lo e, junto da área técnica de meio ambiente, começou a responder pela sua governança.
“Pensei: por que não liderar esta agenda se conheço o processo e sei como fazê-lo? Apropriei-me daquilo e levei a proposta. Não podemos ter medo. As oportunidades existem. Precisamos identificá-las, ter dados científicos nas mãos e buscar uma forma de defendê-los.”
Dentre ações que partiram do comitê e que, portanto, tiveram sua participação, estão o uso de 100% de energia fotovoltaica nas operações da Renault e a criação do selo ESG, que estimula as concessionárias a adotarem práticas sustentáveis e as reconhece por isto. A fabricante também foi reconhecida em 2024, pelo segundo ano consecutivo, pelo Selo Clima Paraná por causa da redução voluntária de emissões.
Liderança global feminina em novas formas de descarbonizar
Monica Panik, 67 anos, desbravou e se firmou como referência – não apenas feminina – em uma área que até os dias atuais ainda está em desenvolvimento: a do hidrogênio e da célula a combustível. Por dezoito anos trabalhou na indústria automotiva, inclusive em empresa de peças para jipe em que era responsável pela comunicação e também participava de eventos de rally, como piloto de teste, e por onze anos em empresas de tecnologias de hidrogênio e célula a combustível.
Em comum ambos eram ambientes majoritariamente masculinos. Mas a virada de chave se deu quando se mudou com seu marido para a Alemanha, em 1997, e trabalhou em uma empresa de engenharia interessada em abrir subsidiária no Brasil. No ano seguinte soube que o PNUD, Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, dispunha de verba do GEF, Fundo Global para o Meio Ambiente, e do Banco Mundial para estabelecer projetos em países em desenvolvimento a fim de testar o hidrogênio no transporte urbano.
“Resolvi arriscar e mandar meu currículo. Então comecei a trabalhar na Nucellys, joint venture da Daimler com a Ballard, fabricante de sistemas de célula a combustível que hoje se chama Cellcentric e é uma empresa da Daimler Truck e da Volvo. Tornei-me responsável pela estratégia e desenvolvimento de novos negócios e trabalhei na preparação de mercados como Brasil, México, Egito, Índia, China e Cingapura, mas apenas Brasil e China foram adiante.”
Aqui o projeto batizado como Ônibus a Célula de Combustível para Transporte Urbano no Brasil contou com parceria com o Ministério das Minas e Energia e da EMTU/SP e testou veículos a hidrogênio no Corredor ABD, que ligava São Mateus ao Jabaquara passando por Santo André e Diadema, no ABC Paulista, em 2015 e 2016. Panik gerenciou a ação, que durou dez anos.
Desde 2019, segundo ela, todo o setor modificou-se, a partir da publicação de edital na União Europeia que estimulava a identificação e oferecia apoio aos chamados vales do hidrogênio, que reuniam não só a produção de hidrogênio verde como o armazenamento e a distribuição, ao mesmo tempo em que foram criadas cadeias de valor regionais.
“Sinto-me privilegiada porque vivi em um período em que não existia conceito de sustentabilidade, que durante a Eco 92 começou-se a falar sobre a necessidade de aliar o desenvolvimento econômico à preservação do meio ambiente a uma geração que poluiu muito. Tínhamos de aprender tudo na raça. E, também, porque vivo o hoje, em que o mundo é um só e não existe um plano B, é preciso descarbonizar.”
Fonte: AUTODATA