‘Conexões que transformam: saneamento e sociedade’ reuniu representantes de Aegea, BNDES e sociedade civil para debater universalização do setor desde o marco legal
Dos R$ 57,4 bilhões destinados pelo BNDES a programas de infraestrutura e transição energética em 2023, o maior volume de créditos - R$ 10,5 bilhões – foi direcionado a projetos de saneamento básico no Rio, no Amapá e no Paraná, seguido por energia e mobilidade. No ano anterior, apenas para o projeto da Águas do Rio, o mais relevante do setor no país, o BNDES liberou R$ 19,3 bilhões.
Os números corroboram a afirmação do presidente do banco, Aloizio Mercadante, que defendeu a união entre os setores público e privado para alcançar a universalização dos serviços até 2033, meta estabelecida pelo marco legal. O BNDES é um dos principais financiadores do saneamento básico no país.
“O Brasil tem que ter muita responsabilidade e urgência no acesso à água e ao saneamento básico. E esse desafio não tem saída se não houver uma parceria criativa entre os setores público e privado. O Estado é fundamental não só na regulação, mas para alavancar o financiamento. E precisamos da competência e da gestão do setor privado e do mercado de capitais”, afirmou Mercadante durante o seminário “Conexões que transformam: saneamento e sociedade”, realizado na sede da Águas do Rio, no último dia 9, pela Editora Globo, com patrocínio da Aegea Saneamento.
"O Brasil tem que ter muita responsabilidade e urgência no acesso à água e ao saneamento básico. O Estado é fundamental não só na regulação, mas para alavancar o financiamento. E precisamos da competência e da gestão do setor privado e do mercado de capitais” — Aloizio Mercadante, presidente do BNDES
Dividido em dois painéis, que discutiram os avanços, os desafios e a inclusão social promovida pelo setor, o evento teve mediação da jornalista Rosana Jatobá, que pontuou o aumento dos investimentos em saneamento nos últimos três anos:
“Em 2020, antes do Marco Legal do Saneamento, os investimentos foram de R$ 13,6 bilhões. Em 2023, esse montante saltou para R$ 26, 8 bilhões. Desde o marco legal, mais de três milhões de pessoas passaram a contar com água em casa, enquanto dez milhões receberam infraestrutura de esgotamento sanitário”.
Hoje, o Brasil tem 33 milhões de habitantes sem acesso a água tratada e cem milhões convivendo com esgoto a céu aberto. A meta é chegar a 2033 com 99% da população com acesso à água potável e 90% com uma rede de coleta e tratamento de esgoto.
“É juntando a melhor capacidade de cada um (setores público e privado) que vamos chegar à solução final para o problema. Já temos uma parceria com o BNDES para o financiamento da universalização dos serviços no Rio de Janeiro, mostrando a seriedade do nosso projeto”, comentou Alexandre Bianchini, vice-presidente da Aegea, referência no setor privado de saneamento básico no Brasil, beneficiando mais de 31 milhões de brasileiros em 507 municípios de 15 estados do país.
Bianchini participou do primeiro painel, “Os avanços do saneamento no Brasil”, ao lado de Luana Pretto, presidente executiva do Instituto Trata Brasil; e Cíntia Araújo, superintendente de Regulação de Saneamento Básico da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA). Os painelistas discutiram sobre a importância de criar um ambiente com segurança jurídica, regulação e conscientização da população para que o país atraia mais investimentos privados nacionais e internacionais para o segmento.
"É juntando a melhor capacidade de cada um (setores público e privado) que vamos chegar à solução final para o problema. Já temos uma parceria com o BNDES para o financiamento da universalização dos serviços no Rio de Janeiro, mostrando a seriedade do nosso projeto" — Alexandre Bianchini, vice-presidente da Aegea
“A ANA tem trabalhado para trazer mais segurança jurídica para o setor. Precisamos trazer a regulação de forma uniformizada e fortalecer os órgãos reguladores. Se não tivermos uma regulação ativa, um monitora mento de metas, não vamos avançar. É o primeiro passo para mostrar para o empreendedor que quer botar esforços no setor que as coisas estão estabilizadas”, pontuou Cíntia.
Importância do setor privado
O marco legal permite que os municípios de todo o país se agrupem em arranjos regionais, na intenção de que a prestação do serviço de saneamento seja econômica e sustentável, garantindo a universalização. Isso possibilita que cidades com mais recursos ajudem aquelas com menos possibilidades financeiras.
“É o que eu chamo de subsídio cruzado. Aquele que tem mais condição - e aí estamos falando da população com maior poder aquisitivo, mas também de indústria e comércio, por exemplo – exercendo uma interferência financeira para que aquela com menor poder aquisitivo tenha condição de receber o serviço como deve receber e de exercer o pagamento também”, argumentou o vice-presidente da Aegea.
Luana Pretto explicou que ainda não é possível definir um modelo ideal para a universalização do serviço. Em linha com o marco legal, as companhias estaduais precisaram passar por um processo de comprovação econômico- -financeira para entender se teriam capacidade de cumprir as metas até 2033.
“Muitas delas entenderam que não teriam essa capacidade, então buscaram soluções junto à iniciativa privada. Tivemos concessões parciais, concessões plenas, privatizações e parcerias público-privada (PPPs). Cada região vai ter um modelo que mais vai se adequar para poder captar seus recursos e universalizar”, disse ela, acrescentando que os municípios que já alcançaram a universalização do serviço precisam inspirar aqueles que ainda estão no caminho:
“Precisam ser exemplo no quesito redução de custos com saúde. Um crescimento de 10% no acesso ao tratamento de esgoto reduz em mais de 200% o número de internações por doenças de veiculação hídrica. E isso impacta no desenvolvimento escolar da criança. Os municípios precisam falar sobre tudo de bom que estão colhendo”.
‘Agrupamentos’ podem ser chave para sustentabilidade dos serviços
Modelo sugerido por representante do BNDES visa gerar equilíbrio econômico-financeiro para operações reunindo diferentes municípios e mantendo a tarifa social
Saneamento básico traz ganhos sociais e econômicos ainda pouco conhecidos por grande par te da população. A conclusão é dos participantes do painel “O impacto social do saneamento”, que reuniu Anselmo Leal, diretor-presidente da Águas do Rio; Luciana Capanema, chefe do Departamento de Estruturação de Soluções de Saneamento do BNDES; e Bruno Jatene, CFO e diretor de Relações com Investidores na Regional Sul da Aegea Saneamento.
Se, durante décadas, o acesso ao saneamento básico era privilégio de uma parcela restrita da população, o marco legal de 2020 e a possibilidade de universalização do serviço chegaram para mudar a rota de quem não tem esgotamento sanitário e água tratada no dia a dia. Os benefícios são sentidos em outros setores importantes, como saúde e educação, como explicou o diretor-presidente da Águas do Rio.
“Quando o saneamento deixa de ser uma discussão de apenas atender a quem pode pagar pelo serviço e passa a ser universal, começamos a ver um olhar mais humano, mais cidadão de alcançar quem não teve acesso durante quase a vida toda. Há uma relação direta com benefícios para a saúde e a educação, por exemplo. O saneamento vai gerar uma força transformadora na próxima década”, projetou Leal.
Informações do DataSUS de 2022, divulgadas pelo Trata Brasil em agosto deste ano, mostram que o Brasil gastou mais de R$ 87 milhões em internações por doenças de veiculação hídrica, tais como diarreia, febre amarela, dengue, leptospirose, malária e esquistossomose. Na educação, o impacto também é sentido. Jovens sem acesso a banheiro exclusivo em suas casas têm nota média de 478,25 no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), segundo dados do Inep. Já os que moram em residência com banheiro apresentam desempenho melhor, com nota média de 546,81.
"O BNDES buscou a sociedade e construiu modelagens que faziam sentido para cada região. No Rio, o modelo foi a estatal permanecer como produtora de água e concessionar a distribuição de água, coleta e tratamento de esgoto. Isso atraiu um ambiente competitivo, com diversos postulantes, trouxe uma outorga importante para o Estado, e agora a universalização tem data para acontecer” — Anselmo Leal, diretor-presidente da Águas do Rio
Principal carência
Para Jatene, o saneamento básico é o maior déficit social do Brasil. Ele explica que o impacto da falta do serviço pode ser percebido em catástrofes climáticas, que chamam a atenção quando atingem a todas as camadas sociais. Um exemplo, segundo ele, foram as enchentes que aconteceram este ano no Rio Grande do Sul.
“Há uma distância muito grande do entendimento da sociedade sobre o que deve ser cuidado e, mais ainda, da importância do tema quando entende que isso é um direito. No Sul, todos sentiram na pele os impactos das fortes chuvas no setor de saneamento. Naquele momento, a população viu uma necessidade ainda mais forte do serviço”, alertou.
A percepção da sociedade, para o diretor-presidente da Águas do Rio, pode se desenvolver junto com a oferta. No painel, ele contou histórias de moradores de áreas periféricas do Rio de Janeiro que tiveram suas vidas transformadas pela chegada do serviço oferecido pela concessionária que assumiu os serviços em 2021.
“Uma moradora da Mangueira agora tem uma conta em seu nome com a ajuda da Tarifa Social. Ela viu o propósito na chegada do serviço, se engajou na defesa do saneamento. Outro exemplo é o de um menino em vulnerabilidade social de São Gonçalo que viu os funcionários da Águas do Rio perto de casa e pediu emprego. Hoje, ele trabalha dentro da companhia e é responsável pelo sustento da família. Nós contratamos 4.500 moradores de comunidades onde atuamos. Quando você os vê contando as histórias, vê a falta de cidadania que a ausência do serviço acarreta”, contou.
Tarifa social
Os bons exemplos lembrados por Leal fazem parte do conjunto de ações sociais promovidas pela Águas do Rio, como o Vem Com a Gente e a Tarifa Social. Essa última oferece desconto na conta de famílias de baixa renda ao mesmo tempo que permite que esses moradores tenham a situação regularizada e um comprovante de residência em seus respectivos nomes.
“As regiões onde os acessos aos serviços são mais viáveis vão sendo naturalmente resolvidas porque a tarifa comum cobre o investimento necessário. Mas como consigo fazer agrupamentos onde haja uma compensação entre quem pode pagar mais e quem só pode pagar menos? Tem regiões do Brasil nas quais a tarifa social representa 10% da população e tem lugares que chega a 50%. Por isso, precisamos dos agrupamentos de municípios que gerem equilíbrio econômico-financeiro para que a tarifa seja suficiente para financiar o serviço”, explicou a chefe do Departamento de Estruturação de Soluções de Saneamento do BNDES.
No caso do Rio, o banco impulsionou o desenvolvimento da universalização do serviço de acordo com a realidade do estado.
“O BNDES buscou a sociedade e construiu modelagens que faziam sentido para cada região. No Rio, o modelo foi a estatal permanecer como produtora de água e concessionar a distribuição de água, coleta e tratamento de esgoto. Isso atraiu um ambiente competitivo, com diversos postulantes, trouxe uma outorga importante para o Estado, e agora a universalização tem data para acontecer”, explicou o diretor-presidente da Águas do Rio.
Tecnologia a favor da redução da perda de água
Empresa investe em satélite para identificar vazamentos na rede, além de projeto para reaproveitamento do recurso
As mudanças climáticas são ponto estratégico para a agenda do saneamento básico. Sem poder controlar os fenômenos da natureza, o trabalho acaba se resumindo a minimizar os impactos desses eventos.
“Temos um projeto de reaproveitamento da água que chega à estação de tratamento. Serão mais de mil litros por segundo reaproveitados para serem usados de forma industrial. Também temos um satélite que procura e identifica vazamentos na tubulação, especialmente na Zona Sul do Rio, a cada 14 dias”, exemplificou Alexandre Bianchini, vice-presidente da Aegea.
De acordo com a presidente-executiva do Trata Brasil, Luana Pretto, é fundamental pensar em redução de perda de água. Hoje, o Brasil tem 37, 8% de desperdício do volume produzido. A meta é reduzir para 25% até 2034.
“É claro que esse número precisa reduzir cada vez mais. É preciso pensar que, num futuro próximo, não teremos mais uma grande quantidade de água nos rios. Com esse volume que vai deixar de ser perdido, vamos abastecer mais de 60 milhões de pessoas”, afirmou Luana.
A superintendente de Regulação de Saneamento Básico da ANA, Cíntia Araújo, concorda:
“A maior crise vai ser em relação à captação de água. Quando eu pensar em uma nova estação de tratamento, preciso ver como adequar aquele rio para receber a obra e tentar ter o menor custo tarifário ali”, defendeu.